segunda-feira, 8 de abril de 2013

Calculando o Risco de Tromboembolismo Venoso Pós-Cirúrgico


 2013 Jan 2. pii: S0022-4804(12)01960-9. doi: 10.1016/j.jss.2012.12.016. [Epub ahead of print]

Nomograms to predict risk of in-hospital and post-discharge venous thromboembolism after abdominal and thoracic surgery: an American College of Surgeons National Surgical Quality Improvement Program analysis.

Source

Division of Surgical Oncology, Department of Surgery, University of California Davis Comprehensive Cancer Center, Sacramento, California.

Abstract

BACKGROUND:

Postoperative venous thromboembolism (VTE) is increasingly viewed as a quality of care metric, although risk-adjusted incident rates of postoperative VTE and VTE after hospital discharge (VTEDC) are not available. We sought to characterize the predictors of VTE and VTEDC to develop nomograms to estimate individual risk of VTE and VTEDC.

METHODS:

Using the American College of Surgeons National Surgical Quality Improvement Program database, we identified 471,867 patients who underwent inpatient abdominal or thoracic operations between 2005 and 2010. We excluded primary vascular and spine operations. We built logistic regression models using stepwise model selection and constructed nomograms for VTE and VTEDC with statistically significant covariates.

RESULTS:

The overall, unadjusted, 30-d incidence of VTE and VTEDC was 1.5% and 0.5%, respectively. Annual incidence rates remained unchanged over the study period. On multivariate analysis, age, body mass index, presence of preoperative infection, operation for cancer, procedure type (spleen highest), multivisceral resection, and non-bariatric laparoscopic surgery were significant predictors for VTE and VTEDC. Other significant predictors for VTE, but not VTEDC, included a history of chronic obstructive pulmonary disease, disseminated cancer, and emergent operation. We constructed and validated nomograms by bootstrapping. The concordance indices for VTE and VTEDC were 0.77 and 0.67, respectively.

CONCLUSIONS:

Substantial variation exists in the incidence of VTE and VTEDC, depending on patient and procedural factors. We constructed nomograms to predict individual risk of 30-d VTE and VTEDC. These may allow more targeted quality improvement interventions to reduce VTE and VTEDC in high-risk general and thoracic surgery patients.
Copyright © 2013 Elsevier Inc. All rights reserved.
Uma nova pesquisa da UC Davis Comprehensive Cancer Center, publicado no Journal of Surgical Research, pode ajudar os médicos a determinar quais pacientes estão sob maior risco de coágulos sanguíneos pós-cirúrgicos, nas pernas ou nos pulmões.

Uma equipe, liderada por Robert Canter, professor associado de cirurgia da UC Davis, estudou o histórico médico de mais de 470.000 pacientes cirúrgicos para determinar quais os fatores que aumentaram o risco de coágulos de sangue, também chamado de tromboembolismo venoso (TEV). O equipe criou, então, um nomograma, um tipo de calculadora que pode auxiliar os médicos a predizer o risco de 30 dias para um TEV,  de um indivíduo. Os resultados podem modificar a prática clínica por meio de uma abordagem mais racional para prevenir coágulos sanguíneos perigosos.

Coágulos de sangue são um desafio crítico para a segurança e a qualidade nos hospitais em todo o país. Enquanto estes coágulos podem ser evitados pela administração de anticoagulantes, como a heparina, tais medidas aumentam o risco de hemorragia. Para complicar a situação, os médicos não têm obtido uma maneira para determinar quais pacientes estão sob maior risco de coágulos de sangue, forçando-os a adotar  o plano de “uma única maneira para todos”, para a prevenção.

"A medida preventivapadrão é a heparina", disse Canter. "No entanto, há muitas perguntas que cercam o seu uso: Que tipo de heparina deve ser administrada? Qual dosagem? Devemos administrar aos pacientes antes ou após a cirurgia? Identificando os pacientes que estão com maior risco de TEV, tentamos responder  muitas dessas perguntas e ajudar a personalizar o tratamento."

Os coágulos sanguíneos das pernas ou dos pulmões fazem parte de um grupo de complicação cirúrgica bastante grave, que podem causar falta de ar, maior tempo de internação e, em casos raros, o óbito. O tratamento bem sucedido, muitas vezes, requer que os pacientes utilizem o anticoagulante Coumadin durante três a seis meses após receber alta.

Os pesquisadores estudaram  o banco de dados do American College of Surgeons National Surgical Quality Improvement (ACS-NSQIP) para identificar 471.000 pacientes submetidos a cirurgias abdominal ou torácica, entre 2005 e 2010. O objetivo foi identificar os eventos de TEV dentro de 30 dias da cirurgia, tanto no hospital quanto após a alta (VTEDC). O TEV incluia a trombose venosa profunda (coágulos nas pernas) ou embolia pulmonar (coágulos nos pulmões).

A equipe considerou muitos  fatores relacionados aos pacientes: idade, índice de massa corporal (IMC), sexo, raça, condições pré-existentes, história médica, tabagismo, entre outros. O grupo também utilizou informações sobre diferentes abordagens para a cirurgia - abdominal, torácica, laparoscópica, etc - assim como o tipo de procedimento específico, como gastrointestinal, hérnia, esplenectomia, bariátrica ou de pulmão. Eles também analisaram as complicações pós-operatórias, como estas poderiam afetar tanto a duração de internação como os esforços de prevenção de coágulo sanguíneo.

"Há uma infinidade de fatores para investigar se um paciente está em risco de TEV, assim como a forma de preveni-la", disse Canter. "Antes deste estudo, ninguém havia analisado tanto esses fatores, de forma tão abrangente."

No geral, 1,5 por cento dos pacientes apresentaram coágulo de sangue antes da alta, enquanto 0,5 por cento tiveram esse diagnóstico após a alta. Essas taxas foram muito consistentes ao longo dos anos de estudo. Uma variedade de fatores foram associados ao risco aumentado de coágulos sanguíneos, incluindo a idade, IMC elevado, infecção pré-operatória, o câncer e cirurgia laparoscópica não- bariátrica. As esplenectomias foram responsáveis pelo maior risco de coágulo de sangue, enquanto cirurgias bariátricas tiveram umaincidência menor dessa intercorrência. Além disso, as complicações importantes após a cirurgia elevaram a incidência de VTEDC.

Talvez mais significativo, os riscos indicados pelo estudo afastam-se muito das avaliações atuais de risco do Joint Commission. Por exemplo, com base nos resultados do estudo, um paciente com histórico de câncer de cólon que teria esse órgão parcialmente removido por laparoscopia, para tratamento de um câncer recorrente, tem uma chance de 10 por cento de desenvolver um coágulo de sangue. Enquanto isso, um paciente que tem uma hérnia cirúrgica de emergência tem menos de 5 por cento de risco. Sob as diretrizes atuais, no entanto, ambos os pacientes seriam tratados como de igual risco. A utilização do nomograma para calcular o risco pode permitir aos clínicos responder mais precisamente a fatores de risco, de cada paciente individualmente.

Charles Laflamme, de Sacramento, é um bom exemplo de um paciente cujo atendimento poderia ter sido beneficiado por uma melhor compreensão dos riscos de coágulos de sangue.  Depois de ter removido de seu abdômen um lipossarcoma muito grande, ele foi enviado para a unidade de terapia intensiva, onde vivenciou um elevado e persistente batimento cardíaco, mas sem outros sintomas. Cerca de uma semana depois, ele experimentou falta de ar ao caminhar em seu quarto de hospital. Uma tomografia computadorizada identificou uma embolia pulmonar. O tratamento agressivo foi prescrito para sua permanência restante no hospital  e, após a alta, ele fez uso do Coumadin por seis meses. O tratamento foi bem sucedido e Laflamme recuperou totalmente.

"A equipe médica trabalhou bem com a situação, mas eu teria preferido evitar completamente essa situação", disse Laflamme.

A pesquisa da UC Davis produziu algumas surpresas. Embora o IMC elevado geralmente aumentou o  risco, este não contabilizou para procedimentos bariátricos, talvez porque medidas mais agressivas são muitas vezes tomadas para prevenir coágulos sanguíneos em casos destas cirurgias. Que as esplenectomias colocam os pacientes em maior risco de desenvolver coágulos também foi uma surpresa, já que os pesquisadores esperavam que o procedimento iria expô-los a um maior risco de hemorragia.

Canter observa que, enquanto os hospitais de todo o país focam em vários anos para a redução da TEV e VTEDC, essas medidas não reduziram a sua frequência.

"Apesar de toda a atenção para eliminar esse fato como uma complicação pós-operatória, os números mantiveram-se estáticos", disse Canter. "Isso nos mostra que a abordagem deve ser mais individualizada."

Embora estes resultados precisem ser validados, Canter acredita que o dados ajudarão os médicos a obter uma abordagem mais baseada em evidências, para a administração de heparina e redução da incidência de coágulos sanguíneos. Ele diz que o uso da informação se encaixa com a preocupação geral  dos hospitais sobre qualidade, segurança e custo. Especificamente, estes dados poderiam ajudar os hospitais e médicos a melhorar  as iniciativas da qualidade do cuidado, assegurando que os incentivos e penalidades fossem baseados em um modelo preciso de risco do paciente.

 Copyright 2013 Medcenter. Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a republicação, redistribuição, propagação ou disseminação do Conteúdo do Medcenter sem a prévia autorização por escrito do Medcenter.

INÍCIO DE UMA REVOLUÇÃO NA VIDEOCIRURGIA BRASILEIRA


PROJETO JOVEM CIRURGIÃO DESPERTAR (PJCD)

OBJETIVOS:
Passados 20 anos, observamos a grande dificuldade de implementar o ensino da videocirurgia em nosso país. Os cursos de graduação designam poucas horas à informação de suas vantagens e as residências médicas ainda não privilegiam o seu ensino de forma sistemática. Quando os candidatos interessados ingressam nas pós- graduações, estão ainda pouco preparados, com as habilidadess mínimas necessárias para o seu desenvolvimento. Este fato diminui a possibilidade de, no prazo de um ano (tempo de duração das pós- graduações em média), terem aprendizado suficiente para adotarem a prática da videocirurgia no seu cotidiano.                            
O projeto “Jovem Cirurgião – Despertar” (PJCD) tem como objetivo introduzir e dar ao médico residente e ao médico com menos de 10 anos de formado nas especialidades cirúrgicas, habilidades e conhecimentos básicos da videocirurgia, preparando-o de forma adequada para seu ingresso nos cursos de aperfeiçoamento (pós-graduações), aumentando a possibilidade de habilitá-lo na sua prática rotineira.

PÚBLICO ALVO:
- Médicos residentes das áreas de videocirurgia;
- Médicos com até 10 anos de formado.
.
COMO SE CANDIDATAR:
Para inscrição, os candidatos interessados deverão se associar à SOBRACIL como membro aspirante, recebendo em seguida um login para acesso ao Projeto Jovem Cirurgião - Despertar.

CONDIÇÃO MÍNIMA PARA INGRESSAR NO PJCD:
- Candidato deve estar inscrito na SOBRACIL como membro aspirante adimplente.

O PROJETO:
O projeto visa dar condição necessária para aprendizado em videocirurgia básica com conteúdo teórico-prático (prática com simuladores).
Será dividido em fases:
- Fase 1 e 2 (WEB + SIMPÓSIO): de 1/7/13 à 30/3/14.
WEB - Serão disponibilizadas no site da SOBRACIL aulas mensais básicas e provas, divididas mensalmente em 9 módulos. As provas serão realizadas mensalmente, sempre nos 2 últimos dias de cada mês, exceção para o mês de dezembro (devido às festividades de final de ano) e ficaram disponibilizadas por 48 horas (inclusive final de semana). Além das aulas disponíveis no site, o conteúdo para as provas estará com base em livro texto (Tratado de endoscopia ginecológica e cirurgia minimamente invasiva – Claudio Crispi et al. e avaliar outra referência).
1 mês:  Aula e Prova de ...  (30 e 31/7/13);
2 mês: Aula e Prova de ...  (30 e 31/8/13);
3 mês: Aula e Prova de ...  (29 e 30/9/13);
4 mês: Aula e Prova de ...  (30 e 31/10/13);
5 mês: Aula e Prova de ... (29 e 30/11/13);
6 mês: Aula e Prova de ...  (19 e 20/12/13);
7 mês: Aula e Prova de ...  (30 e 31/1/14);
8 mês: Aula e Prova de ... (27 e 28/2/14);
9 mês: Aula e Prova de ... (30 e 31/3/13).

A média das provas (peso 1), é classificatória para passar à fase 3. A perda de qualquer prova equivale a nota 0 naquele mês. O aluno que faltar mais de 2 provas será eliminado e terá seu acesso ao mês seguinte bloqueado.
Exemplo: O aluno que faltar 2 módulos terá sua média calculada da seguinte forma: 7 notas divididas por 9 módulos.

Os 240 primeiros colocados estarão classificados para a próxima fase. Em caso de empate terá preferência: o candidato mais velho, maior número de módulos realizados.
SIMPÓSIO – Serão preparados Simpósios para EAD (Ensino à distância) com aulas ministradas no Instituto Innovation (Johnson & Johnson – J&J) em São Paulo e transmitidas às principais regiões do país. Estes simpósios contam como etapa do PJCD, porém poderão ser assistidos por qualquer médico interessado em participar do mesmo. Os participantes do PJCD que assistirem aos simpósios serão contemplados com 0,5 ponto para cada um deles na média final da web. A transmissão do simpósio para outras regiões do país deverá respeitar as seguintes condições mínimas:
- A J&J se responsabilizará com a transmissão e acesso com link para os locais interessados (espaço com velocidade de transmissão de dados de 512 K);
- O acesso será através de login individualmente por computador com direito a realizar perguntas;

1º SIMPÓSIO em 7/10/13: Vantagens da video cirurgia (por que entrar neste mundo?).
20:15- 20:30h: Apresentação;
20:30- 21:00h: Vantagens da video cirurgia (por que entrar neste mundo?).
21:00- 21:30h: Abertura para perguntas.

2º SIMPÓSIO em 17/3/14: Intercorrências e complicações.
20:15- 20:30h: Apresentação;
20:30- 21:00h: Intercorrências e complicações.
21:00- 21:30h: Abertura para perguntas.

- Fase 3 (PRÁTICA EM SIMULADORES): De 1/4/14 à 30/8/14.
Os 240 primeiros colocados serão divididos em 10 grupos 24 que irão ao Centro de Treinamento da J&J em São Paulo (Medical Innovation Institute) para treinamento prático com duração de 2 dias.
Abril/14:
21 e 22;
28 e 29.

Maio/14:
- 5 e 6;
- 12 e 13;
- 19 e 20.

Junho/14 (Copa do Mundo):
- 2 e 3.

Julho/14:
- 21 e 22;
- 28 e 29.

Agosto/14:
- 11 e 12;
- 25 e 26.

1º dia – agenda está em confecção;
2º dia – agenda está em confecção.
- Os custos de transporte e hospedagem serão por conta de cada aluno. A alimentação durante o treinamento prático será fornecida pela J&J;
- Após a realização dos exercícios nos simuladores virtuais será gerada uma avaliação pelo próprio sistema do simulador, que terá peso 1.
- O não comparecimento nesta fase acarretará na desclassificação do participante.

- Fase 4 (PROVA TEÓRICA/PRÁTICA FINAL): No 1º  dia do Congresso Nacional da SOBRACIL que será realizado em Florianópolis (setembro/14) os alunos farão uma prova final escrita, com todo o conteúdo ministrado nas Fases 1 e 2, com peso 1. Haverá ainda prova prática com exercícios que serão divulgados previamente pela SOBRACIL. A prova prática terá peso 1 também.
A nota final será a média das 4 provas realizadas (Média das provas da WEB com acréscimo em participação dos Simpósios + SIMULADORES + Prova teórica final + Prova Prática final).
- O resultado final será divulgado no último dia do Congresso.
- O não comparecimento nesta fase acarretará na desclassificação do participante.

PREMIAÇÃO:
Serão oferecidas bolsas para ingresso em  pós-graduações, que poderão variar de 10 a 100%:
A premiação será de acordo com a classificação final do PJCD:
-100% para o 1 colocado;
- 50% para o 2 colocado;
- 30% para o 3 colocado;
- 20% para o 4 colocado;
- 10% para o 5 colocado.
Os ganhadores que não terminaram suas respectivas residências médicas terão o direito de ingressar nas pós graduações tão logo as tenham concluídas.
Obs.: As datas poderão sofrer mudanças por questões técnicas e comunicadas antecipadamente.

domingo, 24 de março de 2013



SEGURANÇA EM MEDICINA


Está o movimento de segurança do paciente em perigo?
Por Guilherme Brauner Barcellos
médico formado pela UFRGS e especialista em Clínica Médica e Medicina Intensiva

Recentemente li artigo de Robert Wachter, expert mundialmente reconhecido em segurança do paciente, e quem cunhou o termo hospitalista, tão mal empregado no Brasil. Com ajuda da minha amiga, odontóloga e tradutora Tatiana Pires Malinsky, trago abaixo em português aquela que considero a leitura mais interessante que fiz nos últimos meses, originalmente publicada no Blog de Wachter, em fevereiro deste ano.

“Estes deveriam ser anos excepcionais para o movimento de segurança do paciente. Preocupações sobre erros associados aos cuidados em saúde determinaram transformações em nosso modelo de prestação do cuidado e de remuneração, de um focado no volume para outro que valoriza mais o desempenho. O novo sistema (ainda em construção) promete valorizar segurança do paciente como nunca foi feito anteriormente.

Mas eu nunca estive tão preocupado com o movimento de segurança do paciente como estou atualmente. Meu receio é que nós iremos olhar para trás e ver os anos entre 2000 e 2012 como a era de ouro da segurança do paciente, o que estaria bem se tivéssemos resolvido todos os problemas. Mas nós não conseguimos.

Uma pequena história auxiliará na compreensão do que estou querendo dizer. O moderno movimento de segurança do paciente iniciou com a publicação em dezembro de 1999 do relatório do Institute of Medicine (IOM) sobre erros associados aos cuidados em saúde, que apontou 44.000-98.000 óbitos por ano nos Estados Unidos, o equivalente a um grande avião caindo por dia. (Para ilustrar o contrário, saibam que recém cruzamos a marca dos quatro anos da última morte nos Estados Unidos decorrente de acidente envolvendo companhia aérea comercial). O documento do IOM impulsionou inúmeras iniciativas visando melhorias em segurança: de transparência, alterações nos padrões de acreditação, novas exigências educacionais, melhorias em tecnologia da informação aplicada à saúde, entre outras. Também gerou movimentos paralelos focados no aprimoramento de qualidade e experiência/satisfação do paciente.

A medida que eu caminho atualmente pelo Campus Saúde da Universidade da Califórnia São Francisco (UCSF), observo um ambiente transformado por este novo foco. Na área de segurança de paciente, nós analisamos ali 2-3 casos por mês, profundamente, utilizando a técnica de análise de causa raiz (ACR) – eu pela primeira vez escutei falar de ACR em 1999. Os resultados das análises abastecem as “modificações no sistema” – também um conceito estranho aos clínicos até bem recentemente. Nós hoje documentamos e promovemos cuidados via um sistema computadorizado moderno, de última geração. Nossos estudantes e residentes aprendem sobre qualidade e segurança, e a maioria desenvolve um projeto de melhoria de qualidade/segurança em saúde durante o período de treinamento. Nós não mais recebemos a agenda de 2 anos da Joint Commission; nós recebemos um comunicado 20 minutos antes. Enquanto a evidência global de melhorias em qualidade e segurança é heterogenia, nossa experiência na UCSF me conforta: temos observado índices menores de infecção, menos quedas, menos erros de medicação, menos readmissões, profissionais mais bem qualificados e melhores sistemas. Em resumo, nós temos uma organização que está bem melhor do que era há uma década atrás.

Então qual é o problema? Eu observo forças significativas reduzindo a resposta à segurança do paciente: a síndrome do esgotamento profissional, ou burnout (particularmente do médico) e o reposicionamento estratégico do modelo de prestação do cuidado para lidar com o Affordable Care Act. Como um pai atucanado para sair e chegar ao seu destino final, e que descobre somente no estacionamento da escola que deixou o filho em casa, nós arriscamos deixar para trás nosso movimento de segurança, se falharmos em assegurar que todos estão a bordo enquanto nos apressamos em direção ao futuro.

Vamos começar com a síndrome do esgotamento profissional. Quando o movimento de segurança do paciente lançou-se em 2000, esperava-se que médicos seriam adversários naturais. Afinal de contas, fale de “erro médico*” para um médico e a resposta Pavloviana é muito provavelmente “e lá vem ação judicial”. Este reflexo faria com que médicos não se tornassem entusiastas do movimento. E é evidente que nada de relevante ocorre na saúde se os médicos não estiverem engajados.

(* por isso costumo traduzir medical errors como erros associados aos cuidados em saúde. Assim espero que o médico não se sinta “encurralado”. Além do que, a tradução literal não explicita a amplitude do termo, que de fato se refere a qualquer erro vinculado à assistência à saúde, independente de ter sido praticado por profissional médico ou qualquer outro profissional da saúde.)

Entretanto, por enfatizarmos a necessidade de uma visão sistêmica – sob o argumento “não são pessoas ruins, são sistemas ruins” – muitos médicos sentiram-se imediatamente validados, alguns até mesmo intrigados, e outros (como eu) inspirados. Médicos tornaram-se de resistentes ativos para, em muitos casos, verdadeiro aliados.

Mas a nevasca de novas iniciativas – todas importantes, mas de forma exagerada – tem gerado sobrecarga. O problema é que ninguém alivia a carga de trabalho para realizar toda esta nova atividade. Quando pilotos de companias aéreas comerciais passam por testes em simuladores a cada ano, eles utilizam o tempo de trabalho para fazer isto. Quando eles passam 30 minutos completando um checklist antes do vôo, seus salários estão garantidos. Mas, para muitos médicos, estas novidades – aprender um novo método de raciocínio, incorporar uma lista de verificação, ou sobreviver a implantação de um novo sistema de TI – são normalmente atribuições a mais para um dia garantidamente já conturbado. Mesmo para as enfermeiras, que geralmente são assalariadas, novas obrigações como escanear códigos de barras ou mesmo lavar as mãos consumem minutos preciosos em dias onde já falta tempo.

Mesmo que muitos clínicos têm sido gratificados pelos seus trabalhos em segurança e qualidade, eu estou com receio que este trabalho adicional tenha contribuído para altos níveis de esgotamento profissional. Um recente estudo no JAMA documentou níveis de burnout significativamente mais altos do que na população norte-americana em geral – com quase metade dos médicos apresentando sintomas da síndrome. Obviamente, iniciativas de segurança de paciente não são a única causa. O impacto do esgotamento na segurança dos pacientes é muito real.

As estatísticas são problemáticas (e, como chefe da American Board of Internal Medicine (ABIM) escuto diretamente sobre muitos médicos insatisfeitos). Mas somente caiu a ficha sobre o impacto disto na segurança dos pacientes durante recente entrevista com o Prof Bryan Sexton, sociologista da Duke e expert em cultura de segurança do paciente. Eu havia entrevistado Bryan seis anos atrás para o site da agência federal que eu edito, da Agency for Healthcare Research and Quality, e eu pensei que seria um momento adequado para revisar isto. Eu preparei a entrevista armado com muitas perguntas, cobrindo tópicos como Executive WalkRounds e treinamento de trabalho de equipe.

Mas após 10 minutos, eu tinha eliminado todas as minhas perguntas, porque Bryan centrou-se quase inteiramente na síndrome do esgotamento profissional. Ele está percebendo médicos e enfermeiros tão sobrecarregadas que fazer com que eles pensem e ajam sobre alguma outra coisa – segurança, qualidade, trabalho de equipe – é quase impossivel. “É como a hierarquia de Maslow”, ele disse, onde pessoas não são capazes de focar nas necessidades mais importantes até que suas necessidades básicas estejam seguras. Por causa disto, ele direcionou seu foco para melhorias de resiliência – basicamente, auxiliando médicos e enfermeiros a restabelecer o prazer em seus trabalhos. Como o Dr Richard Gunderman apresentou em um artigo recente publicado no The Atlantic, enquanto redução de descontentamentos (aborrecimentos, burocracias, redução de salários, sistemas de TI desengonçados) é uma parte relevante na abordagem do burnout,

“…o segredo [para combater a síndrome do esgotamento profissional] está na promoção da totalidade profissional, o que dependente de um completo entendimento das origens da satisfação e da insatisfação”.

Seguro-me na esperança de que as melhorias nos sistemas de cuidados possam trazer satisfação aos clínicos (tanto do trabalho em si, quando dos frutos dele colhidos), como tem sido pra mim e muitos de meus colegas. Mas é importante reconhecer que para muitos médicos (e não somente aqueles que estão para se aposentar), há coisas que permanecem entre eles e a satisfação profissional.

A falta de evidência que todo nosso árduo trabalho está produzindo frutos também contribui para o esgotamento. Vários artigos importantes têm documentado altos e contínuos índice de danos, apesar de todo esforço. Um estudo de 10 hospitais na Carolina do Norte demonstrou ausência de melhorias entre 2002 e 2007. Em cima disso, em uma postagem brilhantemente trabalhada por Brad Flansbaum, fica evidente que quase toda intervenção que nós pensávamos que funcionaria (multas por readmissões, não pagamento para erros associados aos cuidados, pagamento por performance, tecnologia da informação, limitação de carga horária dos residentes) tem tanto falhado no funcionamento, como tem levado a consequências negativas não antecipadas. Para indivíduos que têm doado seus corações e almas para gerar um sistema que funcione melhor para os pacientes, o resultado é mais desmoralização.

Minha segunda preocupação sobre segurança do paciente origina-se do Affordable Care Act (ACA). Um dos seus principais objetivos, paradoxalmente, é premiar o valor mais do que o volume. Você poderia pensar que a área de segurança do paciente iria se beneficiar do ACA (o qual também inclui previsão de novos investimentos em segurança), e talvez isso eventualmente ocorra. Mas a curto prazo, o ACA é ainda outro determinante de velocidade na estrada para um sistema de saúde mais seguro.

Assim como os profissionais da linha de frente estão sobrecarregados e distraídos, também os CEO’s, diretores e gestores dos hospitais estão. Como o sistema de cuidados de saúde balança a partir de um modelo  disfuncional para um (Deus queira) lugar melhor, lideranças estão fazendo de tudo para terem certeza que suas organizações tenham “lugares nos quais sentar quando a música parar”. As conversas em salas reuniões, que há poucos anos atrás eram focadas em como fazer sistemas melhores e mais seguros, hoje estão centradas em como se tornar uma Accountable Care Organization, como atingir alinhamento com a equipe médica, qual serão os impactos financeiros, e coisas do tipo. As pessoas seguem interessadas na otimização do valor, mas com menos ênfase no numerador da equação (qualidade, segurança, satisfação do paciente), e mais ênfase no denominador: custos.

Dr Gary Kaplan, diretor-presidente do sistema de Saúde Virginia Mason em Seattle, e provavelmente um dos líderes hospitalares mais admiráveis dos EUA, recentemente refletiu sobre a segurança do paciente em uma nota ao comitê do Instituto Lucian Leape da Fundação Nacional de Segurança de Paciente (ambos fazemos parte do comitê). Gary escreveu,

“[A] redução no reembolso e pressão por colocar o foco em finanças, tamanho e competividade de mercado têm prevalecido sobre pressões para melhorias em qualidade e segurança. Isto ocorre em parte em função do progressivo distanciamento entre líderes seniores e profissionais da linha de frente”.

Nós simplesmente devemos reorganizar nossos sistemas de saúde para promover o mais alto valor de cuidado. Com certeza, isto exigirá um quadro amplo, planejamento estratégico – novas relações, novas instituições, novidades em TI,  e mais. Isto também dependerá da geração de uma melhor cultura, que permita àqueles que entregam o cuidado condições para melhorem o sistema. Todos juntos, isto é uma agenda cheia para gestores e profissionais da linha de frente, e é nobre.

Mas devemos lembrar que cuidados de saúde são prestados por humanos reais, trabalhando em organizações que são lideradas por outros humanos reais. Ignorando as pressões que ambos grupos são submetidos pode nos levar a fantasiar sistemas maravilhosos em cenários onde continuamos causando danos e mortes. Em outras palavras, estamos colocando o movimento em risco, a partir de hospitais e profissionais possuidores da anatomia de uma organização de alta confiabilidade, mas não da fisiologia.”